domingo, 11 de setembro de 2016

Para Sempre Minha: Capítulo 26 ― Campo de Batalha

ATENÇÃO: LEIAM ATENTAMENTE AS NOTAS INICIAIS E FINAIS EM NEGRITO, POIS EXPLIQUEI TUDO ATRAVÉS DELAS, PORTANTO, NÃO RESPONDEREI A NENHUMA PERGUNTA SOBRE O QUE EU JÁ TIVER ESCRITO.


Oi pessoal, tudo bem? 

Espero que gostem do capítulo! Boa leitura!



Que prevaleça essa vontade de não desistir daquilo que faz o peito acelerar.
― Diego Vinícius

Assim que acordo, ligo para Scott e o mando esvaziar minha agenda na parte da manhã e confirmar minha presença no baile de gala à noite. Embora eu não demonstre, me sinto aflito. Estou esperando o retorno de Angus acerca da investigação da pulseira, mas não é só isso. Eva e eu precisamos conversar sobre o vídeo. A possibilidade de que ela tenha permitido que Yamada a gravasse em um momento tão íntimo remoía a minha cabeça, embora uma grande parte de mim tente refutá-la. A Eva do vídeo é uma Eva completamente diferente da que conheço e sei que esta não permitiria isso. Mas eu já não tenho tanta certeza assim se a antiga Eva teria o mesmo pensamento.
Ela está se maquiando no banheiro, já vestida para ir trabalhar, quando entro com duas canecas fumegantes de café. Deixo a sua em cima da pia de mármore e me recosto no batente da porta, segurando a minha.
"Eva", digo baixinho, "precisamos conversar".
"Concordo plenamente", responde, enquanto passa sombra nos olhos.
Seguro a caneca com as duas mãos, e fico olhando para o líquido escuro ali dentro por um bom tempo, tentando organizar meus pensamentos em tornos das dezenas de cenários que se constroem em minha mente. Nenhum deles é bom.
"Você filmou, ou deixou que filmassem, alguma transa sua com Brett Kline?"
"Quê?" Ela se vira bruscamente, parecendo incrédula. "Não. De jeito nenhum. Por que está me perguntando isso?"
Eu a encaro. O fato de ela sequer saber do que estou falando não trouxe o alívio que eu esperava sentir.
"Quando voltei do hospital naquela noite, Deanna veio falar comigo no saguão", continuo. "Depois do que aconteceu com Corinne, eu percebi que uma dispensa grosseira não seria a abordagem mais correta".
"Isso eu já tinha falado pra você", ela me lembra.
"Pois é. E você estava certa. Então a gente foi até um bar pra beber uma taça de


vinho, e eu pedi desculpas".

"Você saiu com ela pra beber um vinho", repetiu sem nenhuma emoção na voz.
"Não, eu saí com ela pra pedir desculpas. O vinho foi só um pretexto pra ir até o maldito bar", rebato, irritado. "Achei melhor fazer isso em público do que aqui no apartamento, o que seria muito mais prático e conveniente".


O ciúme de Eva é algo que sempre procuro não provocar deliberadamente, por isso decidi me encontrar com Deanna em público. Se eu a recebesse em nosso apartamento seria o mesmo que cometer traição, já que eu não planejava dar nenhuma pista da minha vida privada com minha esposa a ela nem trair a confiança de Eva em mim novamente. Essa parte é crucial pra mim.
A expressão de Eva se suaviza, mas seus olhos brilham com raiva por Deanna ter conseguido passar algum tempo comigo. Sorrio de lado com isso. "Você é tão possessiva, meu anjo. Sorte sua que eu gosto disso".
"Fica quieto. E o que Deanna tem a ver com o tal vídeo? Foi ela que contou isso


pra você? Porque é mentira".

E como eu gostaria que fosse. "Não é, não. Depois que eu pedi desculpas, ela resolveu abrir o jogo comigo. Me contou sobre o vídeo, e falou que estava prestes a ser leiloado".
"Essa mulher é uma mentirosa, acredite em mim".
Realmente ela não sabe de nada.
"Você conhece um cara chamado Sam Yimara?"
Seu rosto empalidece. "Conheço, ele se dizia o cinegrafista oficial da banda".
"Isso mesmo". Dou um gole em seu café, e a olho por cima da caneca. "Ao que parece ele instalou umas câmeras escondidas nos bastidores pra conseguir imagens exclusivas da banda, e diz que recriou o clipe de 'Golden' com imagens reais e explícitas".
"Ai, meu Deus", ela tampa a boca, com evidente nojo. "Por isso você foi pra Califórnia", seus olhos se arregalam em horror.
"Deanna me contou tudo o que sabia, e eu consegui uma ordem judicial impedindo que Yimara vendesse ou licenciasse esse vídeo", mantive-me controlado ao contar os detalhes. Tenho que ser forte, mesmo com a angústia transbordando de mim.


"Você não tem como impedir que essas imagens acabem vazando", murmura.
"Temos uma medida liminar temporária", que me custou muito.
"Assim que esse vídeo for parar em algum site, vai se espalhar como uma praga", ela parece estar à beira de um ataque de nervos.


Sacudo a cabeça. "Coloquei uma equipe de TI que vai monitorar vinte e quatro horas por dia o aparecimento desse vídeo na internet, e além disso Yimara não vai ganhar nada se compartilhar o arquivo de graça. Ele só vai jogar merda no ventilador depois de esgotar todas as possibilidades, inclusive a de vender o vídeo pra mim".
Eu tinha lhe oferecido um milhão de dólares pelos direitos do vídeo, e não pretendia dar mais do que isso. Já lidei com tipos como os do Yimara antes.
"Deanna vai cuidar de espalhar essa história. O trabalho dela é revelar segredos, não guardar".
Conto que ofereci a ela exclusividade na divulgação das fotos do nosso casamento em troca de seu silêncio.
"E ela topou?", pergunta, incrédula. "Aquela mulher é obcecada por você. Não vai ficar feliz em saber que você está fora do mercado. E definitivamente".


"Chega uma hora em que as pessoas se conformam que não tem mais jeito", comento com ironia ao pensar na forma como encurralei Deanna e a convenci de que ser minha inimiga não era uma boa ideia. "Acho que consegui me acertar com ela. Pode confiar em mim, ela ficou bem feliz quando percebeu que podia faturar alto com as fotos exclusivas do casamento".
Eva vai até o vaso, baixa a tampa e se senta. "Estou muito mal com tudo isso, Gideon".
Ponho minha caneca em cima da pia e me agacho em frente dela. Hora de tomar o controle da situação. "Olha pra mim".
Ela levanta a cabeça relutantemente e me encara numa mistura de medo e vergonha.
"Eu nunca vou deixar ninguém magoar você", eu prometo. "Entendeu bem? Eu vou cuidar disso".
"Desculpa", sussurra. "Sinto muito por obrigar você a lidar com esse tipo de coisa. Como se você já não tivesse tanta coisa com que se preocupar...".


Seguro suas mãos e a interrompo. "A sua privacidade foi violada, Eva. Não precisa se desculpar. E sobre resolver isso pra você... é um direito meu. Uma honra. Pra mim, você vem sempre em primeiro lugar".


"Não foi o que pareceu lá no hospital", rebate magoada. "Justamente quando eu mais queria ficar do seu lado, você mandou Angus me buscar. E depois ainda atravessou o país sem me dar nem um telefonema... sem me dizer nada".
Cerro os dentes, com raiva por ela ainda estar chateada com algo tão banal em vista do que fiz para protegê-la. Minha nossa!
"E também nem dormi. Usei todo o tempo de que dispunha pra conseguir a liminar, e precisei pedir um monte de favores pra isso", despejo. "Você precisa confiar em mim, Eva. Mesmo sem entender o que eu estou fazendo, saiba que estou sempre pensando em fazer o que for melhor pra você. Pra nós".
Ela desvia o olhar. "Corinne está grávida".
Solto uma bufada de irritação, e resolvo acabar logo com esse assunto. "Sim, ela estava. De quatro meses".
Ela volta a olhar pra mim. "Estava?"
Explico o motivo de Corinne ter perdido o bebê.
"Acho que ela não sabia que estava grávida", concluo. "Pelo menos é nisso que eu prefiro acreditar".
Ela bem que tenta disfarçar o alívio em seu olhar, mas não consegue. "Quatro meses? Então o bebê era do Giroux".
"Espero que sim", respondo. "Ele pelo menos achava que era, e está me culpando pelo aborto".
"Meu Deus", sussurra.
A tentativa de Corinne foi um dos assuntos que mais pesou minha cabeça nesses últimos dois dias. Em muitos, tentei entender como ela pode de fazer algo assim. Em outros, eu culpava a medicação que, pelo que eu imaginava, não tinha sido trocada ou teve sua dosagem regulada.
Uma agonia nauseante aperta a boca do meu estômago quando penso que Corinne estava ciente da gravidez e, ainda assim, tinha tentado se matar.
Necessitado, repouso minha cabeça no meio das pernas de Eva. "Eu acho mesmo que ela não sabia. Ela não arriscaria a vida do bebê por um motivo tão estúpido".
"Você não tem culpa nenhuma nisso, Gideon", Eva fala, bem séria.
Eu a abraço pela cintura, lembrando de tudo o que vivi com o suicídio de meu pai. "Meu Deus. Será que eu sou amaldiçoado?"
"Você não é responsável por nada que ela fez", seus dedos passeiam por meus cabelos. "Está me ouvindo? A única responsável por tudo isso é Corinne. Ela é que vai ter que conviver com as consequências desses atos, e não você e eu".


"Eva", eu a abracei com todas as minhas forças, me segurando à única coisa que mantém firme nesse mundo. A única capaz de tirar e restabelecer minha sanidade. A única capaz de curar a enorme ferida em minha alma.
Ficamos assim, em silêncio, durante um bom tempo, até que meu celular vibra no bolso da calça do meu pijama. Desvencilho-me de Eva devagar e o pego. O nome de Angus brilha na tela.
"Meu anjo, eu tenho que atender essa ligação", me levanto e dou um beijo em sua testa. "Eu volto já".
Ela apenas balança a cabeça, abalada demais para falar.
Relutante, vou até a sala para atender. "E então?"
"A partir de nossas suspeitas iniciais, conseguimos as informações. Raúl e eu temos o dossiê".
"Vocês têm certeza?"
"Ainda é uma especulação, porém a cronologia bate. Até tudo ser confirmado, vamos continuar trabalhando com outras linhas de investigação, mas é bom que você veja o que temos".
"Ótimo. Vamos nos reunir no meu escritório às 10h".
"Certo".
Desligo o celular. No entanto, o que me intriga não são as descobertas que meus fiéis seguranças fizeram e sim o incômodo silêncio que paira no ar. Coloco o aparelho no bolso e volto para o quarto de Eva.
Ela está de pé, diante do espelho, olhando hipnoticamente para a pia. A maquiagem e o café completamente esquecidos.
"Você vai se atrasar", digo baixinho, abraçando-a por trás.
"Estou pensando em ligar pra dizer que não vou", fala distraidamente.
Eu bem que gostaria de tê-la junto a mim por todo o dia, mas estou muito mais interessado em reassumir nossa relação publicamente. Além disso, a reunião com Angus e Raúl precisam da minha atenção imediata.
"Você até pode fazer isso, mas vai pegar mal quando saírem as fotos do evento de hoje à noite", sussurro em seu ouvido.


Ela me encara pelo espelho. "Mas a gente não vai!"
"Claro que vai", franzo o cenho. Ela está tão ansiosa quanto eu para aparecermos juntos nesse evento.
"Gideon, se esse vídeo meu com Brett vazar, vai ser melhor pra você se a sua imagem não estiver vinculada à minha".


Fico tenso na hora e a puxo para me encarar. Eu não posso acreditar no que ela está falando. "Como é?"
"Você me ouviu muito bem. O nome Cross já foi difamado o suficiente, você não acha?"


Olho para ela, que parece bem determinada a me proteger de tudo e de todos, como uma leoa pronta para dar a vida por seu filhote, pensando mais em mim do que em si própria.
Mas isso nunca irá acontecer.
"Meu anjo, nunca senti tanta vontade de dar uns tapas na sua bunda quanto agora. Pra sua sorte, eu não gosto de castigar ninguém enquanto estou irritado", eu a provoco divertidamente antes de pegar seu rosto entre as mãos. "O que quer que aconteça, vamos encarar tudo isso juntos. E usando o meu nome".


"Gideon...", seus olhos se enchem de lágrimas e seus lábios tremem.
"Você não imagina o orgulho que é pra mim você usar o meu nome", eu a beijo de leve na testa. "O quanto isso significa pra mim".
"Ai, Gideon", ela fica na ponta dos pés, fazendo seu corpo se projetar ainda mais para frente e ficar colado ao meu. "Eu te amo demais".
"Crossfire, meu anjo", eu sussurro lhe dando um beijo carinhoso. "Hoje e sempre".
<<<>>>
Estou a caminho do escritório, com Angus ao volante. Raúl levou Eva para o trabalho horas antes e está nos esperando no escritório. Meu coração está a mil e minha mente correndo solta sobre os acontecimentos dos últimos dias. Corinne, Brett Kline, Sam Yimara... todos resolveram dar as caras na mesma semana, num bombardeio que me deixou apavorado. Mais apavorado do que jamais estive. A pessoa mais preciosa da minha vida está na linha de fogo. Todos querem tirá-la de mim a qualquer custo e isso está enlouquecendo tanto a Eva quanto a mim. É como estar preso em um pesadelo, cercado de monstros e nenhuma saída à vista.
"Chegamos, senhor Cross", ouço a voz de Angus me chamando.
No mesmo instante olho para ele, que está em pé, com a porta traseira em pé. Já chegamos ao Crossfire e eu sequer me dei conta de quando paramos.
Imediatamente saio do carro, mantendo minha máscara fria intacta. Mal consigo olhar para meu motorista, apenas ando como um raio para dentro do prédio. Já no elevador, completamente sozinho, mantenho meu olhar fixo na porta. Mas meus ouvidos estão pulsando. Minha cabeça pensando, correndo, girando. Se eles têm um dossiê, é porque as coisas nas quais Nathan estava metido eram muito piores do que eu pudesse imaginar.
As portas do elevador se abrem e saio apressado, mal respondendo o cumprimento de Emma, a recepcionista.
Sentado em sua baía, Scott se levanta assim que me vê.
"Bom dia, senhor Cross. Seu segurança está o aguardando na sala de reuniões número 2. Sua agenda está limpa até as duas da tarde".
Objetivo e eficiente, como eu gosto. "Certo. Chame-o até meu escritório. Quando Angus chegar, não precisa anuncia-lo. Avise-o para entrar direto".
"Perfeitamente, senhor".
"E não vou atender nenhuma ligação a não ser que seja da senhorita Tramell".
"É claro".
Entro em meu escritório, deixo minha pasta em cima da mesa, tiro o paletó e me sento. Fecho os olhos e respiro fundo, tentando controlar a ansiedade pelas informações. Batidas repentinas na porta são o suficiente para me fazer me recompor rapidamente.
"Entre", no segundo seguinte, Raúl abre a porta, dando espaço para Angus passar primeiro.
Ambos se encaminham até minha mesa, e se sentam nas duas cadeiras em frente a mim.
"O que descobriram?" pergunto sem rodeios.
"Barker estava envolvido apenas com Yedemsky", começou Angus. "Ele costuma fazer negócios fora da Máfia Russa, portanto, quase nenhum comparsa sabia do envolvimento entre os dois".
Andrei Yedemsky. O homem que foi encontrado morto com a pulseira de Nathan no braço. Ele era um membro da máfia russa, que além de contrabandista de armas e bebidas, era suspeito de tráfico de mulheres. Quando li a ficha que Raúl tinha me mandado por e-mail, meu estômago se revirou. Se Eva tivesse caído nas mãos de gente assim...
"E como os dois se conheceram?"
"Isso ainda é uma incógnita", Raúl prosseguiu. "Yedemsky estava marcado para morrer e, portanto, era muito discreto. Eles só se comunicavam por telefones pré-pagos e a troca de e-mails, que era feito por computadores públicos, começa a datar de seis meses atrás".
Meu sangue gela. "Yedemsky e Barker estavam seguindo Eva desde antes de ela se mudar para Nova York".
"Mas, segundo a análise linguística, a primeira mensagem que trocaram já indicava um tipo de intimidade. Então eles se conheciam muito antes da data do primeiro e-mail", Raúl me entrega a pasta em sua mão.
Ao abri-la, me deparo com os e-mails que ambos trocaram naqueles seis meses. Eles nunca a mencionam diretamente, era como se eles realmente estivessem falando de alguma encomenda. Nenhuma referência explícita. Mas não posso evitar de sentir que estou prestes a vomitar de horror por tudo isso.
"Ao que parece, a intenção dele era sequestrar a senhora Cross e tentar enrolar os Stanton até que Andrei a comprasse", explica Angus, chamando minha atenção de volta para ele. "Barker pegaria o dinheiro e sumiria no mundo. Segundo meu contato infiltrado, Nathan explicou a Yedemsky que os Stanton fariam de tudo para mantê-la viva. E, como a senhora Cross, até então, não era conhecida pela imprensa, o anonimato seria ideal para evitar qualquer tipo de exposição".
"Se os Stanton não abrissem o bico, a imprensa não ficaria sabendo", digo em voz alta.
"Mas o tiro de Barker saiu pela culatra quando Yedemsky descobriu que a senhora Cross era sua namorada", Raúl toma a palavra. "A mídia não parava de falar do relacionamento de vocês. Sequestrar alguém tão influente e poderoso significaria uma ampla busca por todo o mundo. Fotos dela seriam espalhadas, a ligação dela com Barker seria exposta e, consequentemente, a dele com Yedemsky. Ele não quis se arriscar e cancelou o acordo".
"De certa forma, a exposição do relacionamento de vocês a salvou das mãos de Yedemsky", Angus diz, numa tentativa de me fazer sentir melhor, embora isso seja impossível no memento.
"Mas Nathan não se deu por vencido e mudou os planos", diz Raúl. "Ele sequestraria a senhora Cross e a manteria em cativeiro para extorquir os Stanton. Quando tivesse dinheiro o suficiente, arrumaria um jeito de desaparecer. Com ela".
Minha mandíbula se aperta e meu corpo fica todo tenso. Maldito.
"Quando a polícia investigasse Barker pelo sequestro, descobririam a ligação dele com Yedemsky, que seria apontado como possível cúmplice. Ele seria caçado pelo mundo inteiro", Angus fala.
"E seu disfarce seria arruinado, já que ele seria exposto a inimigos que queriam sua cabeça. Eliminar Barker seria a solução de todos esses possíveis problemas. Eis a motivação do crime", completa Raúl. "O caso, obviamente, será arquivado, já que Yedemsky está morto e seria tanto impossível quanto inútil prender seu assassino".
Me remexo em meu assento, incomodado com um pensamento que passei dias remoendo. "Então, a mesma pessoa que colocou a pulseira no pulso de Yedemsky é a mesma quem o entregou ao tal comparsa?"
"Não temos a menor dúvida", Raúl responde com segurança. "Ele tinha que garantir que Yedemsky seria morto em tempo hábil, para que não fosse procurado pela polícia".
"E temos alguma pista de quem foi?"
"Uma das nossas linhas investigação nos levou a Bernard Clancy".
O sobrenome me fez franzir o cenho. "Parente de Benjamin Clancy?"
"Irmão" confirmou Angus. "Ele trabalhou durante anos na divisão de Narcotráfico antes de ser transferido para a de Tráfico de Pessoas há oito anos. Uma das pessoas que trabalha com ele é o contato do detetive Michna. Os dois também conversaram com a Detetive Graves".
"Ele já estava no encalço de Yedemsky", concluo.
"Sim. Andrei Yedemsky era suspeito de um caso antigo em que Bernard Clancy esteve diretamente envolvido", Angus me passa a pasta em sua posse.
"A caçada ficou pessoal para ele quando duas das vítimas relatadas no caso apareceram mortas", ele prossegue enquanto abro a pasta, me deparando com uma cópia do relatório da investigação de Bernad Clancy. "A brutalidade dos crimes foi tanta, que somente com a arcada dentária, foi possível identifica-las. O modus operandi e a assinatura dos assassinatos eram idênticas de um serial killer que já estava sendo procurado pelo FBI e que foi pego meses depois. Ele admitiu as outras mortes, mas as dessas duas, ele negou".
A história começava a tomar rumos cada vez mais complexos e perigosos. "Clancy não acreditou que fosse ele".
"Não, mas considerando que o assassino escolhia as vítimas de forma aleatória, mais motivado pela oportunidade do que por um padrão específico, e que as roupas íntimas que pertenciam a elas estavam no lugar onde ele guardava a das que realmente matou, foi impossível provar que ele não esteve com elas".
"Tudo foi plantado para desviar a atenção da polícia no intuito de esfriar as pistas", complementa Raúl. "Com a atenção que a mídia deu para os assassinatos, Yedemsky conseguiu cobrir seus rastros e sumir do mapa. Mas com o retorno de Barker, Benjamin Clancy contatou o irmão para ficar na cola dele também. E foi aí que eles descobriram o envolvimento do russo".
"Minha nossa", passo a mão livre no rosto, estarrecido com o quão perto Eva esteve do perigo. "E o tal ex comparsa que o matou? A história da filha procede?"
"Procede. A menina morava com os tios em outra cidade. Yedemsky descobriu onde ela estava e a seduziu. A rixa aumentou após Yedemsky começar a agir por conta própria. A menina foi a gota d'água".
"Ótimo. E como Bernard Clancy entra nessa história do assassinato?"
"Meu palpite é que, de alguma forma, Bernard facilitou para que o tal mafioso encontrasse Yedemsky, através de algum contato infiltrado".
"Se isso tudo for comprovado..." deixo no ar.
"O senhor não só está livre de suspeitas, como também livre de qualquer cobrança por parte de seu suposto benfeitor. Se os irmãos Clancy estiverem mesmo envolvidos, o que é muito provável, a motivação de ambos foi manter a senhora Cross a salvo. E, por consequência, ao senhor também. De qualquer forma, ainda há outras linhas de investigações na qual estamos trabalhando e continuaremos a trabalhar. Nós lhe avisaremos se surgir qualquer novidade".
"Raúl, acho que isso é tudo", Angus se vira para ele. "Precisamos conversa a sós".
Ele apenas acena com a cabeça, pede licença e sai.
Eu não consigo dizer nada. São muitas informações para processar. Minha esposa esteve tão perto do perigo e...
Ficamos em silêncio por um tempo.
"É tão difícil acreditar que tudo isso pode simplesmente ter chegado ao fim?" Angus finalmente se manifesta.
Eu olho bem para ele. "Você pode me culpar?"
Ele sorri de lado. "Não, mas o caminho mais óbvio, e que mais faz sentido é o que os irmãos Clancy fizeram. E a única coisa que Benjamin vai exigir é que você faça Eva feliz, que a mantenha protegida. E isso você já faz muito bem. Isso não te dá mais esperança?"
Abro a boca para retruca-lo, mas não consigo pensar em nada para dizer.
"Acalme-se, rapaz", Angus se levanta, sem tirar seu olhar paternal de mim. "O que está feito não pode ser desfeito. E você não está sozinho. Vai dar tudo certo. Todos nós vamos fazer dar certo. E você vai ser ainda mais feliz com sua esposa do que é agora".
Ele se inclina para me dar um tapa amigável nos ombros e se encaminha para a porta.
As palavras de Angus me acalmam de uma forma que nunca achei que poderiam. Ele estava certo. É possível que os irmãos Clancy tenham salvado a Eva e também a mim. Ainda não está cem por cento comprovado que eles estão por trás de tudo, mas é a causa mais provável.
E sim, isso me dá muita esperança.
Pelo resto do dia, consigo me focar no trabalho e em meus planos em tornar minha relação com Eva pública novamente, desta vez, como um noivado. É um grande passo e estou mais que pronto para tomá-lo.
Já estou em casa, de banho tomado, barbeado e vestido. Mas falta a gravata. E já sei exatamente como vou escolhê-la. Pego meu telefone em cima da cama, e aperto o botão de discagem rápida.
"Oi, garotão", me cumprimenta alegremente após o primeiro toque.
"O que você vai usar?", pergunto sem rodeios.
"Um vestido prateado".
"Sério?" Fico agradavelmente surpreso. "Mal posso esperar pra ver você com esse vestido. E sem ele também".
"Não vai demorar muito", avisa. "Você tem dez minutos pra trazer essa sua


bundinha linda até aqui".

"Sim, senhora", ironizo.
"Se você demorar, o passeio de limusine vai precisar ser mais curto", diz num tom falso de ameaça.
Ainda bem que Angus já está a postos. "Humm... Chego aí em cinco minutos, então". Eu não me importaria de me atrasar se fosse outro evento. Esta noite será extremamente importante. Eu quero que sejamos vistos juntos pelo máximo de pessoas possível.
Desligo o telefone e vou até uma das gavetas do meu closet. De lá tiro uma gravata prata que quase nunca foi usada. É de um tom claro, mas que se destacará em meio à camisa branca e ao terno. E com certeza, combinará com o vestido de Eva.
Após dar o nó na gravata, abotoo o blazer e me olho no espelho de corpo inteiro. Mas não me concentro no smoking Tom Ford feito sob medida, nos sapatos pretos de couro italiano ou nos meus cabelos rebeldes roçando meu colarinho. Estou concentrado em meu rosto, na coloração levemente avermelhada em minhas bochechas e nos meus olhos azuis, que estão brilhando. Aqui, no reflexo do espelho, está um homem feliz. Um homem que ama incondicionalmente, e que sabe o que é ser amado na mesma medida. Um homem casado, que está prestes a mostrar ao mundo inteiro que tem ao lado seu lado a mulher de sua vida, uma mulher de que nunca irá abrir mão, e pela qual lutará com unhas e dentes para manter.
Olho para os anéis que adornam meus dedos. O anel de compromisso no lado direito, e a aliança de casamento no lado esquerdo. Ambos brilhando sob o reflexo da luz do quarto, se destacando ainda mais sobre minha pele, que está mais escura pelo bronzeado. E então, abro um sorriso.
Não existe nenhum homem no mundo mais sortudo ou mais feliz do que eu agora.
<<<>>>
Ao abrir a porta do quarto de Eva, imediatamente me deparo com uma cena estarrecedora. Meu anjo está de costas pra mim, olhando-se no espelho enquanto ajeita a parte da frente do vestido tomara que caia sobre um sedutor sutiã preto. Sinto uma fisgada em meu membro ao ver que o zíper está aberto, revelando a sedosa pele de suas costas.
Você pode jogá-la na cama e fode-la até perder os sentidos, Cross.
Eu posso. E quero. Mas não vou. Pelo menos não até o fim da noite.
Eva me olha através do espelho e a vejo prender o ar. Literalmente. Seus olhos brilham de admiração, amor e muita, muita luxúria. Eu a deixo apreciar o momento, sabendo que ela adora me ver de smoking.
"Uau", murmura ofegante. "Tem alguém aqui que com certeza vai se dar bem hoje à noite".
Abro um largo sorriso. "Isso quer dizer que não preciso nem ajudar a você a fechar o vestido?"
"Quer dizer que não precisamos nem sair de casa hoje", dá um sorriso enviesado.
Sexy. Pra. Caralho.
E tem algo melhor do que mostrar ao mundo que essa mulher sexy pertence a mim? Não preciso pensar muito em minha escolha.
Balanço a cabeça. "Esquece, meu anjo. Eu não vou perder a chance de exibir a minha esposinha".
"Ninguém nem sabe que somos casados", argumenta.
"Eu sei", vou até ela e seguro o zíper de seu vestido. "Mas em breve – em breve mesmo – o mundo inteiro vai saber".
Eva se inclina em minha direção, olhando para nosso reflexo. E eu acabo fazendo o mesmo. Nós ficamos incrivelmente bem juntos.
"Me promete que nunca vai ver esse vídeo", ela fala, me pegando de surpresa.
Fico em silêncio, completamente desconcertado quando o momento em que vi o vídeo passa pela minha cabeça.
Eva se vira para me encarar e seu rosto está transfigurado de pavor. "Gideon. Não vai me dizer que já viu!"
Cerro os dentes ao me lembrar das cenas que assisti. Dos beijos ardentes que os dois trocaram. "Um minuto ou dois. Nada muito explicito. Só para ver se as imagens eram autênticas".
"Ai, meu Deus. Me promete que nunca vai ver", seu tom de voz fica mais alto e mais agudo. "Me promete!"
Hora de tomar o controle.
Eu a enlaço pela cintura com os braços e a aperto com força.
"Calma", digo baixinho.
Seus olhos se arregalam e sinto seu coração bater mais forte contra meu peito, mas as pulsações erráticas se tornaram mais constantes. Em seguida, ela olhou para nossas mãos, principalmente para a minha mão esquerda, onde os rubis cintilam em meio ao aro dourado. Tão vermelhos quanto seu vestido em nossa noite na limusine, quanto as rosas que enfeitaram seu cabelo no dia do nosso casamento, quanto as amarras que mandei fazer para ela. Sei que o momento em que a amarrei à cama do jatinho está passando pela sua cabeça, e que ela está se sentido da mesma forma que se sentiu quando isso aconteceu.
Rendida. Capturada. Submetida.
E minha. Totalmente. E nós dois temos total ciência de que ninguém mais poderia fazê-la se sentir dessa forma.
Com dificuldade, Eva engole em seco e me olha. "Escuta só, Gideon", diz num tom mais calmo. "O que quer que você veja nesse vídeo, não é nada em comparação com o que fazemos juntos. As únicas lembranças que eu quero que você guarde na cabeça são as dos nossos momentos. Eu e você... é só isso que importa. Então, por favor... promete".
Suas palavras acalentam ainda mais a minha certeza. Apesar da dor que me atingiu ao vê-los com tamanha intimidade, eu sabia que nada do que vivemos antes poderia sequer chegar perto do que temos experienciado juntos.
Fecho os olhos e balanço a cabeça em afirmação. "Tudo bem. Eu prometo".
Ela solta um suspiro de alívio. "Obrigada".
Levo sua mão até meus lábios e a beijo. "Você é minha, Eva".
Em resposta, eu ganho um suspiro apaixonado e um amplo sorriso.
Quinze minutos depois, saímos do prédio de Eva. Assim que nos vê, Angus nos dá um sorriso educado e profissional, porém seus olhos denunciam que está transbordando de orgulho por nos ver juntos.
"Boa noite, senhora Cross", ele bate no quepe antes de abrir a porta traseira da limusine. "Está belíssima".
"Obrigada, Angus", responde sorridente.
Assim que ela entra, meu motorista me dá um piscada e sussurra um "boa sorte". Dou um meio sorriso e entro em seguida.
Em instantes, estamos a caminho do evento. Por mais que Eva esteja deliciosamente deslumbrante em seu vestido prateado, resolvo me conter e, assim, num acordo mudo, decidimos que não é um bom momento para reavivar nossas fantasias de transar em veículos em movimento. Esta noite, todos os olhos estarão voltados para nós, tanto dos convidados quanto da imprensa. A última coisa que quero é dar qualquer motivo para que a mídia faça algum comentário constrangedor.
A tensão de Eva irradia por todo o carro. Sei que ela está nervosa com a reação das pessoas a nossa primeira aparição pública depois de nossa "separação", e mais do que isso, está nervosa em não atender as minhas supostas expectativas, em não estar à minha altura.
Mas a verdade, é que ninguém poderia ser mais perfeito para mim do que ela.
Angus estaciona na Quinta Avenida com a Central Park South, e a calçada está repleta de repórteres e paparazzi. Eva estremece e aperto sua mão de leve, mostrando meu apoio. A porta da limusine é aberta e, nesse instante, tenho uma ideia de como acalmá-la. Eu saio primeiro e estendo minha mão para ajudá-la. Assim que ela desce do veículo, dou um beijo em seu rosto.
"Esse vestido vai ficar lindo no chão do meu quarto", digo num falso tom cafajeste.
E funciona. Eva solta uma gostosa risada, o que a faz ficar ainda mais linda e atrai os clarões ofuscantes dos flashes para nós. Eu me viro e, no mesmo instante, minha expressão afetuosa se transforma em uma carranca fria e impassível, como sempre. Coloco minha mão sob a base da coluna de Eva e a guio com delicadeza e firmeza pelo tapete vermelho.
Assim que entramos nos Cipriani's, observo o movimento e encontro rapidamente o lugar perfeito para ficarmos. Em segundos, somos rodeados por alguns dos meus parceiros de negócios, aos quais faço questão de apresentar minha esposa, mas apenas como noiva. Claro que, apesar de me darem atenção, nenhum deles conseguiu ficar indiferente a beleza desestabilizadora de Eva. Seu vestido é curto na medida certa, brilhante, chamativo e faz um contraste absurdo com sua maquiagem marcante, em especial seus lábios vermelhos. É impossível parar de olhar para eles, para a forma graciosa como se movimentam. Na verdade, nenhum dos homens do grupo conseguiu disfarçar seus olhares furtivos, embora Eva parecesse completamente indiferente e continuava a esbanjar sua graça, bom humor e elegância sem o menor esforço.
Como eu poderia não me sentir, no mínimo, um sortudo por ter essa mulher ao meu lado?
Já cansado de toda aquela bajulação, pedi licença a todos e a levei para a pista de dança. Eles já tinham visto a nós dois juntos, mas eu queria que todos na festa nos vissem. E foi assim que vi Christine Field e Walter Leaman, da Waters Field & Leaman, rindo e conversando com outros convidados. A oportunidade perfeita para começar a "divulgar" nossa relação.
"Me apresenta", murmuro no ouvido de Eva.
Ela se vira para ver de quem estou falando e em seguida se volta para mim. "Eles sabem quem você é".
"Mas sabem da minha relação com você?" Eu rebato.
Ela franze seu nariz de leve, com certeza pensando no quanto o tratamento que eles lhe despendem mudará drasticamente ao se tornarem cientes de nosso noivado.
"Vamos lá, garotão", diz por fim.
Nos encaminhamos até eles, tendo que desviar de várias mesas. Field e Leaman se endireitam assim que reparam em minha presença. Imediatamente dou um passo para trás para que notem Eva, já que é ela quem fará as honras.
"Boa noite", ela cumprimenta, apertando as mãos de Christine e Walter. "Vocês já conhecem Gideon Cross, o meu...".
Eva para de falar abruptamente, e percebendo seu nervosismo, eu completo rapidamente, estendendo minha mão. "Noivo".
Todos nos encaram com os olhos arregalados e com sorrisos maiores. "Minha nossa, Eva. Meus parabéns", Christine diz. "E ao senhor também, senhor Cross".
"Obrigada", Eva responde com um sorriso constrangido e eu com um rápido aceno de cabeça.
"Que surpresa mais agradável saber disso", Walter se manifesta. "Parabéns aos dois".
Nós agradecemos mais uma vez.
"Isso não significa que estamos perdendo você, certo?" Christine pergunta.
"Não. Vou continuar exatamente onde estou", Eva responde com veemência.
Discretamente, dou um beliscão em sua bunda. Nós dois sabemos que seu emprego está garantido nas Industrias Cross, e não vou desistir até tê-la ao meu lado.
O tema de nossa conversa foi a campanha da Vodka Kingsman, marca da qual sou dono. Como bons publicitários, Field e Leaman fazem questão de ressaltar a qualidade dos serviços prestados pela agência na campanha, e que esta seria uma constante em todo e qualquer projeto futuro, como se tê-los ao meu lado fosse uma enorme vantagem para as Indústrias Cross. Acostumado a jogar esse jogo, eu simplesmente me mantive no plano da educação, usando todo o meu charme, mas ainda assim, deixando claro que eu nunca me deixaria me impressionar facilmente. Se eles criaram, e eu tenho certeza que criaram, a menor esperança de usar descaradamente o fato de minha noiva trabalhar para eles para obter vantagem comigo, seria um tiro que sairia pela culatra.
Quando percebo que não há mais assunto, eu peço licença para nos retirarmos.
"Vamos dançar", murmuro no ouvido de Eva. "Quero abraçar você".
A pista não está tão cheia, até porque boa parte das pessoas se mantém concentrada em Cary e na mulher com quem ele está dançando como um verdadeiro profissional. Eva também os encara com admiração e uma certa melancolia.
Eu, por outro lado, não me concentro nem meio segundo neles. Estou ocupado demais admirando minha esposa e me sentindo grato por, após todas as turbulências que passamos, finalmente podemos ficar juntos sem nos esconder. Toda a dor, toda a angústia e ansiedade já não estão mais entre nós. Em poucas semanas, aprendemos muito mais sobre o outro do que muitos casais que se relacionam há anos. Estivemos em situações que colocou nosso frágil relacionamento em um ponto de ruptura que nem nós mesmos sabíamos se éramos capazes de remediar, e isso quase nos matou. Mas também nos fez crescer, nos fez confiar um no outro. E também nos fez repensar nossas atitudes diante de situações que, no começo, resolvíamos no piloto automático, causando mais cicatrizes e algumas feridas que ainda não sararam completamente.
Agora, sinto a necessidade de dizer o que sempre digo quando as emoções transbordam de mim.
"Olha para mim", ordeno suavemente, enquanto entrelaço minha mão na dela e a seguro pelas costas.
Ela se vira no mesmo instante. "Oi, garotão".
Eu nos rodopio duas vezes antes de sussurrar. "Crossfire".
Ela ergue sua mão e acaricia meu rosto com a ponta dos dedos. "Estamos aprendendo com nossos erros.
"Você leu meus pensamentos", eu a olho fixamente.
"Isso é tão bom", diz com carinho.
Sorrio com sinceridade. Nós finalmente estamos com nossos sentimentos em sintonia. E meu anjo tem razão. Isso é muito bom.
Eu a puxo para mais perto. "Não tão bom como sentir você assim".
Dançamos uma música e maios outra. Durante todo o tempo, ficamos completamente mergulhados em nós mesmos. O mundo inteiro desaparece ao meu redor quando Eva está em meus braços. E a forma como seus olhos queimam nos meus faz cada parte do meu corpo pulsar de desejo e felicidade.
Somos tirados de nossa bolha particular quando a música para de tocar e o líder da banda anuncia que o jantar será servido em breve. Fomos nos sentar em nossa mesa, na qual também estão Richard, Monica, um cirurgião plástico e sua esposa, e um ator de seriados que me nos conta algo sobre um novo projeto sobre o qual está esperando retorno.
Eva parece estar se divertindo e tanto sua mãe quanto seu padrasto não conseguem esconder seu contentamento em nos ver juntos. Apenas Cary está completamente alienado, embora dê esporádicos acenos de cabeça e demonstre um falso interesse na conversa. Ele provavelmente está pensando em sua complicada situação com a tal Tatiana. Não posso culpá-lo.
A comida, de inspiração asiática, está ótima. Meu anjo devora tudo com gosto. E isso não só me alegra, como me enche de tesão. A situação me faz lembrar da noite em que Eva e Arnoldo se conheceram, quando ela enfiou a mão por baixo da mesa e me masturbou.
Hum. Retribuir o favor é uma ideia bem interessante. Talvez não tão literalmente, porque minha esposa é transparente demais para deixar seus sentimentos encobertos, mas tirar uma lasquinha não seria ruim.
Pus a mão em sua coxa por debaixo da mesa e fiz pequenos movimentos circulares no local, o que a deixou bastante agitada em seu assento.
Chego mais perto e sussurro em seu ouvido de forma discreta. "Não se mexe".
"Para", murmura de volta.
"Continua se mexendo e enfio os dedos em você", ameaço.
"Você não faria isso".
Solto uma risada debochada. Ela ainda a capacidade de duvidar de mim nesta altura do campeonato? "Então para pra ver".
Em uma sábia decisão, ela para de se mover.
Cary pede licença e se levanta da mesa bruscamente. Meus olhos se voltam para Eva, que o observa num misto de preocupação e decepção. Ele se encaminha em direção a um canto qualquer da festa, seguido por uma mulher ruiva de cabelos curtos e vestido verde.
Antes que eu possa dizer qualquer coisa para consolá-la, Eva se inclina para mim. "Cary e eu vamos pra San Diego no fim de semana".
Eu me viro totalmente em sua direção. "E você vem me dizer isso agora?"
"No meio de toda essa confusão com o meu ex, a sua ex, os meus pais, Cary e todo o resto, acabei esquecendo! Achei melhor falar logo, antes que eu esquecesse de novo".
Mas que inferno! Como ela pode simplesmente me dizer que está indo para o outro lado país sem mais nem menos? E ainda por cima com o desmiolado do Cary?
"Meu anjo...", sacudo a cabeça, irritado e incrédulo.
"Espere um pouco", ela se pô de pé de supetão, e instintivamente eu me levantei também, ainda aturdido com suas palavras. "Eu já volto. Tenho uma foda pra empatar".
"Eva...", digo em um tom de reprovação, mas ela me ignora completamente e sai como uma maluca atrás de Cary.
Eu até penso em ir atrás dela, mas desisto. Infelizmente minha presença é impossível de ser ignorada, principalmente em eventos como esse. A última coisa de que preciso é ter ainda mais atenção indesejada em cima de mim e de Eva em um momento tão importante.
"Gideon" a voz da minha sogra me acorda do torpor. "Está tudo bem?"
Eu me viro para Monica, para sua expressão preocupada. Stanton me olha como uma águia de rapina.
Imediatamente coloco meu charme e calma característicos em ação. "Não é nada. Eva foi conversar com Cary. Ele está muito estressado com toda a questão da gravidez".
Stanton relaxa visivelmente. "Verdade. Temos notado isso também. Tomara que tudo se resolva".
"Eu também", diz Monica, aflita. "Eu adoro Cary e queria muito poder ajudá-lo. Eu o entendo perfeitamente. Ter um filho é uma responsabilidade muito grande e temo que ele não esteja pronto para isso".
Vendo o quanto o assunto afeta sua esposa, Richard resolve chamá-la para dançar, o que faz com o que seu estonteante sorriso volte aos lábios. Eles pedem licença e se retiram. Eu os observo indo até a pista de dança, numa tentativa ridícula de me distrair da tensão que a notícia de Eva me causou, quando uma outra voz, uma voz que eu achei que demoraria a escutar novamente, me chama.
Eu me viro e dou de cara com Magdalene. Ela está absolutamente deslumbrante em seu vestido vermelho. Seus cabelos mantém o mesmo corte curto que me surpreendeu há algumas semanas em meu escritório, mas com ondas suaves nas pontas, o que a deixa ainda mais jovem e linda.
"Maggie", eu me levanto, completamente surpreso e a cumprimento com um beijo no rosto, o qual ela retribui. "Que bom ver você".
"Oi", ela. "Digo o mesmo. Você está ótimo, como sempre".
"Obrigado. Você está linda. Como foi de viagem? Eu não esperava vê-la por aqui".
"Foi maravilhosa", seu sorriso se alarga. "Pois é. Eu me atrasei e acabei perdendo o jantar, mas cheguei a tempo de comer um dos mousses de chocolate. Você sabe: dispense a comida, mas nunca uma sobremesa, principalmente se o chocolate estiver envolvido".
Dou uma risada. "Isso, nunca".
"Então", seu rosto alegre se converte em uma expressão mais serena. "Acabei de cruzar com Eva. Vi vocês dois juntos, bem como o anel de sua mãe no dedo dela".
Sua observação tão direta me deixa levemente desconcertado, mas dou de ombros. "Foi um passo inevitável".
"Eu sei, e quero dizer para você o que disse a ela. Estou feliz por vocês dois. De verdade".
"Obrigado" pego sua mão e aperto com carinho. "Isso é muito importante vindo de você".
Ela suspira de forma teatral. "Não me surpreende já que sou uma pessoa importante. Praticamente indispensável".
Estou com uma piada pronta para revidar quando escuto uma voz atrás de mim. "Gideon Cross e Magdalene Perez. Que prazer vê-los juntos depois de tanto tempo".
Nós dois encaramos Deanna Johnson, que sustenta um falso sorriso simpático nos lábios.
"Deanna", cumprimento com um aceno curto de cabeça. Sua intromissão me deixa levemente irritado, mas me controlo.
"Uma pena que Eva não esteja aqui para acompanhar a reunião de vocês", ela diz. "Seria muito bom ter uma foto de todos juntos. Ainda mais com o noivado do ano à vista. Alguma declaração oficial, senhorita Perez?"
Maggie me dá uma rápida olhada antes de arquear sua impecável sobrancelha para a jornalista. "Claro que tenho. Mas é particular, e já foi dada aos noivos, os únicos devem ouvi-la. E ela não te diz respeito, bem como as respostas para todas as perguntas invasivas e distorcidas que você teve a ousadia de me fazer há algumas semanas".
A postura atrevida de Deanna não se abala, mas posso ver o lampejo de raiva que passa por seus olhos. "Só estou fazendo o meu trabalho, senhorita Perez. Assim como naquele dia".
Maggie a olha de cima a baixo com visível desprezo. "É claro que sim", em seguida dá as costas para ela, ficando de frente para mim. "Bem, eu preciso ir, Gideon. A gente se vê".
"É claro. Foi muito bom te reencontrar".
Nos despedimos com beijos no rosto e, nesta hora, Maggie aproveita para sussurrar. "Cuidado com essa cobra".
Quando nos afastamos, dou uma piscada significativa e ela entende que tenho tudo sob controle. Sem ao menos se virar de frente para a jornalista, ela sai.
"Ela já foi mais agradável em outras ocasiões", Deanna comenta secamente.
"E você não me parece ser do tipo que se deixa ofender por tão pouco", rebato.
Ela me lança um olhar irônico. "De forma alguma, senhor Cross. Lidar com celebridades temperamentais é algo com o que estou mais do que acostumada", em seguida dá um passo à frente e sussurra. "Afinal, eu já lidei com o senhor e estou viva, não é?"
Eu a olho sem me alterar, mas sua alfinetada me incomoda, ainda mais em um momento em que estou especialmente vulnerável pelo meu assunto mal resolvido com Eva.
"Contudo, estou aqui mesmo é para saber como foi tudo na Califórnia".
Sabendo que Deanna não sairá do meu pé até que eu fale, puxo-lhe a cadeira em que Eva estava sentada. Ela sorri com minha gentileza e se acomoda.
"Consegui uma liminar que impede a reprodução do vídeo e já conversei pessoalmente com Sam Yimara. Por ora, ele está de mãos atadas, mas tenho planos alternativos caso não aceite meu acordo".
"E se ele continuar tentando vender o vídeo?"
"Não vai. Eu lhe fiz uma proposta irrecusável. E, como nós conversamos, nenhum veículo de mídia vai correr o risco de me enfrentar no tribunal por divulgar ilegalmente imagens de momentos íntimos, nem mesmo Yimara seria tão tolo".
"Touché. Ainda bem que aceitei sua oferta da exclusiva. Pelo menos sairei com algo valioso nas mãos", ela chegou mais perto e tocou meu braço. "O senhor é muito gentil no fim das contas, senhor Cross".
"Eu não te dei escolha, Deanna. É diferente", falo passivamente, sem demonstrar qualquer reação ao seu toque.
"Isso é verdade. Contudo", ela continua a passar a mão em meu braço. "Eu, assim como todos os jornalistas aqui presentes, vou dar um amplo destaque ao seu noivado em meu site", ela põe sua mão em meu braço e eu não esboço reação alguma. "Mas é tão divertido saber que, de todos eles, serei a única a ter acesso às fotos do casamento de vocês".
Continuo a encarando sem dizer uma única palavra, tentando entender aonde ela quer chegar com isso.
"Bom, em primeiro lugar, gostaria de dar meus sinceros parabéns", Deanna sorri, mas seu olhar diz que suas palavras são uma completa mentira. "E dizer que será uma honra contar detalhes da cerimônia em primeira mão. E em segundo lugar...".
Mas antes que eu possa escutar o restante de seu discurso, Eva chega de supetão ao meu lado, o eu me faz levantar imediatamente, pelo susto.
"Preciso falar com você agora", ela me diz em dizer antes de olhar para Deanna com visível irritação. "Como sempre, é um prazer ver você, Deanna".
Ela ignora a ironia deliberadamente. "Oi, Eva. Eu já estava indo...".
Mas Eva não lhe dá a atenção, pois já está de costas para ela, me puxando pela mão. "Vamos lá".
"Certo, só um minuto", me viro para Deanna, já sentindo Eva me arrastar para longe. "Vamos combinar os detalhes depois. Meu assessor entrará em contato", em seguida, me virei para minha esposa, deixando-me ser guiado. "Pelo amor de Deus, Eva. Por que essa pressa?"
Eva nos leva até um canto da parede, observando todo o salão, como se procurasse alguém. "Você sabia que Anne Lucas está aqui?"
Instintivamente aperto sua mão ao ouvir o nome daquela mulher desagradável. "Não. Por quê?"
"Vestido verde-esmeralda, cabelos ruivos compridos. Você não viu essa mulher no salão?"
"Não", respondo com sinceridade. Para mim não havia outra pessoa no salão que não fosse minha esposa. Eu estava completamente focado em nossa aparição e, claro, nela.
"Ela estava dançando com Cary".
"Eu não prestei atenção", vi Cary dançando com uma mulher, mas não saberia descrevê-la nem se minha vida dependesse disso.
"Meu Deus, Gideon. Acho difícil você não ter reparado nela", diz com irritação.
Sério?
"Me desculpa se só tenho olhos para minha mulher", rebato, irônico.
Ela aperta minha mão e me olha arrependida. "Desculpa. Eu só queria confirmar se era ela mesmo".
"Porquê? Ela foi falar com você?"
"Foi, sim. Falou um monte de merda e depois saiu andando. Acho que Cary estava com ela. Sabe como é, dando uma rapidinha".
Fico sério no mesmo instante, e vasculho o salão atentamente com o olhar. Nenhum sinal dela. Provavelmente deve ter se escondido ou então ido embora, sabendo que eu poderia reconhecê-la assim que Eva viesse me contar do rápido contato entre elas.
"Não estou vendo Anne. Nem ninguém como você descreveu".
"Anne não é terapeuta?"
"Psiquiatra", corrijo.
"Podemos ir embora?" Eva me diz e imediatamente olho para seu rosto, reconhecendo traços de medo e mal-estar.
"O que ela falou pra você?" pergunto, desconfiado
"Nada que eu nunca tenha ouvido antes".
"Bom saber", murmuro. "Sim, vamos embora". Para ambos, a noite está terminada. Logo hoje que tinha planejado um fim completamente diferente.
Voltamos para nossa mesa para pegar a bolsa de Eva e nos despedir de todos. Cary está sentado ao lado de Monica.
"Posso ir com vocês?", pergunta Cary depois de dar um abraço em Monica.
Dou um aceno afirmativo com a cabeça. "Vamos lá".
Pego o telefone e ligo para Angus. Passamos pelo salão da festa, sendo cumprimentados por todos que nos encontravam no caminho. A entrada ainda está abarrotada de paparazzi, mas como meu motorista já está a postos, conseguimos passar por eles rapidamente e entramos no carro. Em segundos, estamos mergulhados no trânsito de Nova York.
Estamos longe do Cirpirani's, a caminho do apartamento de Eva, quando Cary lança um olhar cortante para ela. "Nem começa".
"Qual era o nome dela?" minha esposa pergunta, querendo tirar de uma vez por todas as suas dúvidas sobre a identidade de Anne.
"Que diferença isso faz?"
"Pelo amor de Deus", Eva aperta a bolsa, já bem nervosa e impaciente. "Você sabe ou não sabe?"
"Eu não perguntei", ele rebate. "Desencana".
"Calma aí, Cary", repreendo sem me alterar, mas com a voz firme. "Tudo bem que você está com problemas, mas não precisa descontar na Eva. Ela só está preocupada com você".
Ele cerra os dentes de raiva, mas em uma sábia decisão, ele vira a cara e fica olhando para a janela. Idiota mimado.
Eva se recosta no assento e eu a puxo para junto de meu ombro, acariciando seu braço descoberto. Ninguém mais disse uma única palavra até chegarmos em casa. Somente uma coisa ocupa a minha mente e, com certeza,a de Eva também: se a ruiva com quem Cary estava é Anne Lucas, ela poderia terse aproximado dele propositalmente.
Se a intenção foi nos abalar, aquela desgraçada tinha conseguido.
Ao chegarmos no apartamento, vou direto para a cozinha para pegar uma garrafa d'água e com o telefone em mãos. Pego o telefone, enquanto olho para Eva, que está do outro lado do cômodo. Ligo para Peter Gale, responsável pelos jatinhos da empresa e o mando prepará-lo para uma viagem para San Diego amanhã à noite. Se ela e Cary vão mesmo viajar, e, pelo jeito que eles estão se abraçando, isso com certeza vai acontecer, terá que ser tudo do meu jeito. Finalizo o telefonema, e vou até os dois.
"A gente ainda vai para San Diego amanhã?" Cary a olha, esperançoso.
"Claro", ela diz suavemente. "Estou ansiosa".
Cary abre um sorriso aliviado para Eva. "Ótimo. Vou conseguir um voo para às oito e meia".
Chego perto dos dois assim que ele termina de falar e olho bem para minha esposa, deixando claro que ainda vamos conversar sobre o assunto. Ela me olha de volta nervosamente, sabendo exatamente qual a minha intenção.
Um arrepio incômodo sobe pela minha espinha. San Diego é um lugar que despertará muitas lembranças em Eva. Muitas lembranças de seus momentos com Brett Kline. E ele também estará lá no fim de semana, para um show. Ambos terão a oportunidade de se encontrar e de até mesmo...
No entanto, assim que Cary vai para o quarto, Eva agarra meus cabelos e me dá um beijo ansioso e faminto. Sei que a intenção dela é adiar a conversa. E, francamente, sou incapaz de resistir a ela, aceitando sua sugestão de bom grado, revidando seu beijo com lambidas profundas. Eu a agarro, fazendo-a soltar um gemido.
Eu necessito dela. Preciso senti-la ao meu redor, me acolhendo, me mostrando com seu corpo, seus gemidos e sua entrega, que ela pertence a mim e só a mim. Ambos precisamos disso.
"Hoje à noite você é meu", ela me diz, me puxando pela gravata.
"Eu sou seu todas as noites", respondo com todo o carinho e afeto de que sou capaz quando se trata de minha mulher.
"Então vamos começar agora mesmo", ela foi andando de costas, me levando em direção ao seu quarto. "E não parar mais".
Ela não precisa se preocupar, porque pretendo parar.
Não até o amanhecer.
Amanhã lidaremos com tudo.
Hoje à noite somos só eu e ela no mundo.
Nada mais existe. Nada mais importa.

E esse foi nosso último capítulo! Mas calma, que ainda tem o epílogo. Então, não estamos nos despedindo ainda :)Até amanhã!

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